26.8.07

cartograma#74 - por Milton Colonetti (1999)

Mujeres Ejaculam
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Amor condusse noi ad una morte.
"Inferno", V, 106
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uma boa festa termina em tiro. tiro de porra, que fique dito, no colo do útero untado, onde todos os tiros deveriam encontrar seu termo, idealmente. Mulheres também ejaculam. Eu não consigo pensar numa buceta, chamamos de vulva, afinal elas ejaculam, mas não consigo pensar numa vulva canal vagina e todo o conjunto sem imaginá-los molhados, fluídos escorrendo coxa abaixo, ou acima, dependendo da posição. esta, uma boa festa, terminou em tiro.

ela tinha lábios e nariz que me lembravam os D’ela, lábios que me diziam sim, mulheres ejaculam. gozava apertando minhas pernas nas suas, mordendo a fronha do travesseiro, com o rosto virado, e ejaculava, bem mais do que eu.

minha mais remota lembrança pornográfica é um fragmento encontrado no lixo, perto do colégio de primeiro grau, cuidado por freiras, não o lixo sim o colégio. um dos quadros duma página, onde um homem felava uma vulva, encharcada, com um balãozinho de diálogo: "vou colher todo o néctar".

era essa a imagem que eu tinha na cabeça, enquanto minha lépida língua esbofeteava seu clitóris. "vou colher todo o néctar" e comecei a sugar, sorvendo cada gota que descia canal abaixo, e como eram numerosas. mulheres também ejaculam, homens também engolem.

ela encontrou ele caminhando. Era como as pessoas se encontravam nessa época. ele havia se perdido, tempos atrás, seu destacamento. agora era um cavaleiro andante, parzival, depois de ser ferido em waterloo. conservava, untando com óleo, sua lança de legionário, quando marchou ombro a ombro com julio césar, oriente a dentro. chegou às índias ocidentais numa nau portuguesa, depois de resgatarem um tal de robinson na costa africana.

ela, bem, ela sempre vivera ali. fazia parte do ecossistema, uma força telúrica, emanada de algum geiser no interior da mata, do coração das trevas. movia-se como um lince, sem ser percebida, mas deixando todos afoitos com a muda possibilidade [e expectativa] do bote. seu covil era à margem do rio, suas mão tinham manchas de sangue, perenes. Ejaculação mensal, cio ciclotímico. me dê esse cálice, pai.

abdica da visão para obter A Visão. ah, sim, claro, ela tinha olheiras de quem poderia dormir mil anos
shyne shyne

shyne boots of leather

que lhe conferiam polimórficos poderes pentecostais. todas as mães são cegas, nem todas as fauces são rubras. convenhamos, não valia um tostão.

mas ele tinha bagos que poderiam verter semem mil vezes, repovoando, se necessário, todo o planeta. Um acordo tático, entre cavalheiros. afinal, eles ejaculavam.

a primeira coisa que ela observou, confessou depois mediante minucioso interrogatório, fora a calça dele, puída, rasgada, crivada de espinhos, calça de quem não sabe direito onde ir. ele observou seus tênis, um de cada cor, azul e vermelho, em cada pé. tênis de que não sabe onde pisa. mas estavam nus por baixo das peles, e disso ambos tinham consciência, santos imaculados que eram.

por nossa senhora aparecida neguinha dormindo no leito do rio, ele faria qualquer coisa para trocar ejaculações com ela. e nem foi preciso nada mais do que um "oi, vai pra lá?" e duas piscadelas demoníacas, uma voluntária, outra não.

veja bem, não estou dizendo que exista algo de imoral nisso. de forma alguma. Simplesmente foram dois cios que se cruzaram, culpa dos feromonios, do clima, de qualquer fator que independa de suas vontades.

mas a vontade existia, não latente, não não, uma vontade que estava na cara, nos olhos que roubavam a alma, que perscrutavam os movimentos, que imprimiam impressões aos passos, na cadência e no timbre.

o antigo confronto entre homem e besta. um homem ideal, pairando nos objetos que os cercavam, balcão, mesas, bebida engarrafada e máquina de gelo. a besta eram eles, que estivessem na mata não hesitariam em se agarrar no primeiro momento.

se acaba em tiro, este era um duelo, a doze passos, que se contavam regressivamente. sacaram ao mesmo tempo, e se atingiram mutuamente, morrendo simultaneamente. sem proteções, sem paramédicos, como os bons duelos devem ser travados. na verdade era um duelo de justa, uma amazona e um cavaleiro, os dois em carga um contra o outro, duas lanças em punho, triplo falo, duas ejaculações e um ponto de fuga, para a coroa. tomar de assalto o paraíso.

boas festas terminam em morte, duas vítimas entrelaçadas, envoltas num cobertor alvo-rubro, Vênus nascida da espuma sangrenta do caralho decepado de Urano.

basta de metáforas.

Um Homem.
Uma Mulher.
Uma Cama.

o resto são conjecturas que deixo para os filisteus.

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