6.10.07

cartograma#92 - manifesto solícito

Manifesto solícito: Anarquize!

Acumulamos anos de aprendizado com o capitalismo burguês e com o comunismo burocrático; erguemos grandes edifícios pela sua contra-indicação. Os novos ventos de uma terceira via transversal anunciam a pior das fusões: momento onde finalmente as duas faces da grande-política do último século viram uma só estátua na constância do Poder. A militância virou ato de redundância; a crítica está abarrotada. O último fracasso da esquerda brasileira terá sido a eleição do palhaço Peri, aquele que articulava nossas esperanças de transe e riso desde 82. Pergunta-se: quê fazer da resistência? Contra aquela espécie de maçonaria capitalista, mas também contra a tristeza militante, é preciso reinventar no cotidiano a prática dissidente, uma nova postura; novas formas de re-existir. Re-conhecer a potência libertária de nossos atos para então re-fundar, senão nossa mística de esquerda, pelo menos outras formas de resistência sinistra, de potência canhota. Re-articular nosso corpo para re-fazer o cotidiano através dos bandos e coletivos.

Além da vertigem capitalista e da tristeza militante, seus horizontes sem foco, é necessária nossa anarquia como problema prático, política do cotidiano, tracejado à liberdade e ao prazer de viver uma existência em sua originalidade, articulando liberdade pessoal e alteridade numa atitude presente. Acompanhando o que manifestam alguns de nossos atuais cúmplices, ali onde revelam a possibilidade de evocarmos a vida em cada um dos seus instantes, podemos furtá-los. Mesmo que sempre seja ocasião para rever os clássicos, será preciso acompanhar os cúmplices do presente, articular os corpos vivos para uma anarquia presente que articule sensibilidade, pensamento e prática.

Hoje em dia, entre as alegrias do marketing e a licenciosidade da mídia, através de êxtases e espasmos sofridos com os leves choques telemáticos e cibernéticos dos suportes pós-industriais, desliza então nossa atenção para a estupidez da vida, principal produto burguês. No shopping center burguês, entre as promoções de identidades e de seus suportes correspondentes, num movimento às vezes controlado e estudado, outras tantas frenético e desavisado, vamos acoplando e encaixando a força do desejo como força a serviço do próprio sistema, compondo a grande Máquina e traficando senhas e cifras sob o guarda-chuva das grandes redes. Nosso prêmio será um tostão no juízo final, e diploma de bem comportado; viveremos a vida mais ordinária possível.

No caráter bem comportado está ligada nossa idéia de boa educação, aquilo pelo quê perdemos a vida; é nossa marola bem sucedida, nossos talheres bem dispostos, intervenções cirúrgicas, jaquetas metálicas e estofados sintéticos, nosso cotidiano ciborgue: estranha forma de gostar da vida como instância da imagem e do dinheiro, lubrificada pelo néctar azedo servido por atendentes mestiços, mistura de sangue, suor e coquetéis híbridos. O bem comportado é aquele que congrega na grande roda da fortuna, mantém seus ritos e disposições, neste conjunto ele percebe e apresenta a única iniciativa inclusiva: tudo tende à Máquina.

Resistir: re-existir.

Um laboratório de liberdades, de atitudes riscadas em giz sobre as aparências lisas do cotidiano, existindo no tempo através dos novos enlaces entre sensibilidades e tradução, forjando na experiência a produção da Novidade. A densidade de uma máquina de guerra não estará somente nas linhas de fuga percorridas no Caos, o Corpo pleno da Terra, Força única, mas também em sua re-estabilização num conjunto de linhas flexíveis tecidas entre-as-redes da Máquina, conhecimento e desconhecimento, des-conhecer. A resistência transpassa a permanência tanto quanto reorganiza linhas flexíveis que negociam a realidade positivamente, genealogia de quedas tanto quanto apologia da produção e da vontade. Dupla face do Caos, abismos e verdades. O trabalho transversal da resistência aos eixos verticais que fundam a caretice dos axiomas e rotinas finais vai tanto destroçá-los quanto integrar as abruptas emoções com uma nova e cotidiana consciência, processo que percorre eixos também envergados, anômalos, ganhando velocidade entre as duas faces do Caos, levante e lucidez.

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